Discretamente olho para ti enfrentando as diversas transformações e questionando o conteúdo refletido. Aos poucos, começo a gostar de ti, a familiarizar-me com as tuas particularidades e a interpretar a tua arte.
Gabi: Espelho meu, espelho meu, existe alguém…
Espelho: Minha querida, existem várias pessoas como tu. O problema é que nem sempre estamos dispostos a ver todas a direcções.
Gabi: E porquê?
Espelho: Porque padronizamos o bom e o mau; porque queremos desfrutar da expressão “a vida é bela” e, acima de tudo, porque a morte é um tabu.
Espelho: Recordo a boa relação que criámos e o tique que sempre tiveste, por isso mesmo, proponho-te um jogo. Quero que olhes para mim e, sem medos, reveles a imagem que tens conservada de ti antes da doença.
Gabi: Hmm, é difícil fazer um auto-retrato. Mas, vou tentar! Observo uma menina teimosa, confiante e com imensos objetivos, sobretudo profissionais. Lembro-me da sua falta de tempo, das pessoas a quem se ligava e rapidamente se desligava. Vejo a ausência de emoções ou de sentimentos a par de inúmeras trivialidades com que se ocupava e preenchia o seu quotidiano. Contudo, o crescimento e a maturidade foram-se ajustando à idade e aos requisitos das diversas fases que edificaram uma menina numa mulher.
Espelho: Agora, tenta apresentar-me o retrato que guardas dos últimos meses.
Gabi: É um retrato antagónico, colorido e inacabado. Este representa a fugacidade do tempo e da vida. Reflete o equilíbrio entre a emoção e a razão, bem como, realça o poder do amor, do acreditar no amanhã e do lutar incessantemente. Exprime a necessidade de abrir os olhos e compreender que tudo tem um propósito e que o espelho pode ter 2 faces.
Espelho: Para finalizar, olha à tua volta e diz-me o vês.
Gabi: Não sei…vejo uma casa nova, imensos caixotes, o meu namorado, os meus amigos, os tratamentos a terminarem e uma série de coisas.
Espelho: Gabi, faz-me a célebre pergunta.
Gabi: Espelho meu, espelho meu existe…
Espelho: Existe sim, um passado ilustrado em cada caixote que abres; um presente retratado no amor, no novo e na descoberta e um futuro espelhado na autenticidade do sentir, do olhar e do estar.